Foi na Grécia…

Por volta do século V a.C., a Grécia alcançava o seu apogeu econômico, social e cultural. As navegações entre o Mar Mediterrâneo expandiram o comércio na região e, principalmente, entre as ilhas gregas. O contato com outras comunidades fez crescer exponencialmente as informações daquela civilização. Contrário do que imagina a maioria das pessoas, a religiosidade cresceu na mesma proporção com que novas descobertas chegavam por meio das embarcações e grandes conquistas. Para os gregos, os deuses estavam em todos os lugares e podiam ver tudo o que um simples mortal realizava. Mas como surgiu esse fervor religioso?

No início, tudo era difícil para o Homem. A falta de conhecimento sobre a natureza em sua volta tornava complexa demais para um raciocínio lógico, por isso ele usou a imaginação.

A história da criação do mundo e do nascimento dos deuses era contada de geração a geração por meio da transmissão oral, pois eles não tinham um livro sagrado. Por meio desta tradição, a Grécia estava fervorosa com seus deuses. No princípio não havia natureza, nem deuses, nem homens; apenas o Caos que criou Nix (Noite) e Érebo (Trevas). A Noite, por sua vez, concebeu Gaia (Terra) e Urano (Céu) que se uniram gerando os Titãs, entre eles, Crono que com medo de perder o poder soberano começou a comer os próprios filhos. Mas coube a um deles, Zeus, terminar com seu reinado e construir uma nova geração de deuses que reinavam sobre tudo que existia e habitavam Olimpo, o monte mais alto da Grécia.

Os gregos também gostavam de cultuar os seus mortos, principalmente, os heróis de guerra, os homens sábios e os de coragem. Martin P. Nilsson em seu livro Greek Folk Religion destaca a semelhança entre os deuses gregos e os santos católicos: “cultuavam os heróis mortos que tivessem um feito extraordinário, da mesma maneira que o papa canoniza os santos”.

Da celebração pelos mortos surgiram os deuses que faziam parte da rotina de cada cidadão daquela civilização. Era raro não ter em sua casa uma estátua do deus de sua preferência. Aqueles com maior poder aquisitivo possuíam um altar para celebrar a divindade de devoção. Na sua maioria, os gregos não saiam de casa sem pedir uma benção ao seu deus, da mesma forma fazia invocações durante todo dia: na rua, no trabalho, nas compras e em outros lugares. Mas no meio desse fervor todo de religiosidade surgiria homens que estavam dispostos a mudar o pensamento da sua sociedade.

Como mencionado, as rotas comercias proporcionaram novas descobertas, riquezas, um ótimo padrão de vida e um número grande de informações de várias civilizações. Os gregos perceberam que não estavam sozinhos e que da mesma forma que eles cultivavam os seus deuses, outros povos faziam o mesmo. Isso possibilitou o questionamento dos deuses por homens dedicados ao pensamento humano. E um novo despertar da humanidade estava nascendo com esses homens. Mesmo que no início, admitiam a existência do sagrado, mas buscavam entender a natureza sem recorrer a explicações míticas. Portanto, para maioria dos filósofos gregos, fé e razão não entravam em conflito.

Por outro lado, a explicação natural de como funciona o Universo sem recorrer à religião atraia defensores, os gregos jônios, filósofos como Tales de Mileto, Anaximandro, Anaxágoras, Heráclito, Parmênides, Demócrito, entre outros – os chamados pré-socráticos.

Então, podemos perceber grupos distintos de pensadores, mesmo em épocas diferentes, que travaram um maravilhoso debate que se estende até os dias de hoje entre os grandes cientistas.

Um dos responsáveis pela discussão foi Tales de Mileto quando propôs que toda alteração na matéria era meramente uma alteração no aspecto de uma substância fundamental ou elemento[1]. Mais tarde, Empédocles, que viveu por volta do ano 450 a.C., juntamente com Platão, propôs a existência de quatro elementos: terra, ar, fogo e água. Os dois analisavam o mundo em termos de triângulos, que são entidades abstratas, da mesma forma que as substâncias podem ser decompostas nessas entidades abstratas, ou seja, ainda havia influência do divino. Diziam que não podemos realmente saber se existe um mundo fora de nós e que a única certeza era a nossa idéia sobre o mundo. Essa interpretação recebeu o nome de idealismo.

Na época existia outra importante questão: era a matéria contínua ou descontínua? Se a matéria fosse de natureza contínua, ou de natureza gelatinosa, então qualquer pedaço dela podia ser fragmentada, em pedaços cada vez menores, e esta diversão e subdivisão poderia ocorrer ilimitadamente. Se, por outro lado, fosse descontínua, ou granular, então a divisão sucessiva de qualquer substância poderia ocorrer somente até que os menores grânulos indivisíveis fossem obtidos[2]. Leucipo e Demócrito foram os primeiros partidários da descontinuidade. Demócrito denominou os últimos grânulos indivisíveis, menores, de átomos (“indivisíveis”) [3] e é de onde diretamente deriva a palavra átomo[4]. Para eles, as coisas do mundo existiam por si mesmas, caso o homem desaparecesse, tudo que existe continuaria, ou seja, uma visão totalmente sem intervenção divina. Essa posição recebeu o nome de materialismo[5].

A visão dos filósofos gregos, Empédocles e Platão, foi ampliada por Aristóteles, que considerava que cada elemento resultava da combinação de duas das quatro qualidades fundamentais: quente, frio, úmido e seco. Somente quatro das seis combinações possíveis eram permitidas, segundo Aristóteles.  Assim, quente e seco, podiam se combinar e formar o fogo, quente e úmido para formar o ar, frio e seco para formar a terra, e quente e úmido para formar a água.

Outro debate chamou atenção dos dois grupos: O centro do Universo. Os gregos jônios acharam que o Universo com o Sol ao centro seria mais lógico. Mas a idéia da Terra ao centro tinha a seu favor as preferências de Aristóteles e Platão e foi essa posição que Ptolomeu seguiu, depois de ter considerado e descartado a hipótese do Sol como o centro de tudo. Quando a Igreja Cristã estabeleceu domínio religioso, político e intelectual sobre o Ocidente, o sistema chamado de Geocentrismo ou Sistema de Ptolomeu tornou-se oficial.

Entretanto, Leucipo e Demócrito, bem como os outros filósofos, não foram esquecidos e durante 2500 anos suas idéias emergiam lançando nova luz sobre a busca da verdade. Assim são os pensadores do futuro: buscam a verdade sem medo. Eles foram os percussores dessa busca, enfrentaram uma sociedade com sua religiosidade fervorosa, mas que ao mesmo tempo permitia aos seus cidadãos revelarem suas idéias sem medo dos monstros, deuses e demônios.


[1] A teoria atômica nascia com esse debate.

[2] Essas teorias não eram propriamente  científicas, pois  não  passavam  de  intuições filosóficas,  sem  comprovação.  Naquela  época  não  havia  meios  suficientes para  a  experimentação  necessária  a  confirmação  das  idéias. A  Filosofia fundamenta  o  seu  conhecimento  na  observação,  complementada  pela  lógica  do raciocínio.

[3] Alguns autores consideram o pai do atomismo grego somente Demócrito.

[4] John B. Russell, Química Geral, editora McGraw-Hill, São Paulo, 1982.

[5] Esse debate moveu a ciência por séculos (e continua movendo). As convicções de Einstein se aproximavam mais dos conceitos materialistas, enquanto Niels Bohr, partidário da Mecânica Quântica, se inclinava para o idealismo.

Deixe um comentário